quinta-feira, junho 28, 2007

Pelos olhos de um Poema

Às vezes oiço-te sob o chão do palco
sussurrando palavras que só a mim destinas.
Gostava de saber porque entro em cena
ostentando palavras de uma voz
que ninguém ouve
com a mão deslumbrante que as cria no poema.

E depois os dedos tocando o papel
um vai-vém, ora aqui, ora flecha perseguindo o alvo,
um alvo rato que se escapa pelos cantos.
Oh, o grito cego da mão por essas horas
cheias de medo de perder a tua voz invisível
e o chão secreto de onde dás alento,
oh, o medo que a mão tem de se perder das palavras,
de não achá-las nunca.

E as outras
as magníficas palavras que entram em cena pela mão de alguém?
Fico sentada a vê-las da cadeira
a amá-las como se minhas fossem
enquanto dura o acto até ao intervalo
em que as unhas furam o pano da cadeira,
esgravatam na mesa,
unhas de gato correndo atrás da bola de papel.


De repente as palavras descem pela mão até aos dedos
onde a tinta jorra pela mesa
e o corpo se inclina como se fosse ajoelhar.



Rosa Alice Branco in “Joelho de Papel”
Imagem de Nuno de Sousa ("Autoretrato num olhar"), retirada do sítio "Olhares"


Canela

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