quinta-feira, janeiro 31, 2008

Melancolia


É mais fácil quando o silêncio
transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto – repara
como em abril as aves são felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde
e esquece-te do mundo.




Fernando Pinto Amaral in “Poesia Reunida 1990/2000”
Pintura de Pablo Picasso in “Woman Ironing”


Canela

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Escaravelhos

Há uns tempos atrás passeava pelas ruas estreitas de Lisboa, no meio de bazares coloridos, atulhados e com cheiros indecifráveis. Não procurava nada especial, mas gosto de me extasiar com cores, de me atordoar com cheiros e de me perder a olhar com minúcia a confusão. No meio do caos existe sempre alguma coisa que me norteia para uma realidade diferente. Dessa vez foi o azul-turquesa, sou quase sempre resgatada pelo azul-turquesa. Não era um azul puro, só turquesa. Era um azul raiado, com laivos de negro. Eram cinco escaravelhos presos a um fio negro. Lindos. Quatro escaravelhos laterais mais pequenos e um grande frontal.
Se não os comprasse nunca mais os esqueceria. Comprei-os. Não me interessou saber o seu significado, ou o quanto agarrados estavam às superstições egípcias, mas ainda assim, foi-me dito que atraiam o amor. Acreditei, sem questionar a crendice, sabia o quanto me tinha apaixonado pelo colar. Já de saída ainda ouvi, «quando o perder vai encontrar o amor», retive a frase, porque pensei: Nunca o irei perder. Perdi-o, um dia enquanto caminhava na praia. Ainda hoje o consigo descrever minuciosamente, como quando o tinha colocado ao pescoço. Ainda hoje todos os que se relacionam comigo mais de perto, procuram nos bazares egípcios escaravelhos azul-turquesa.
Hoje alguém correu atrás de mim, enquanto gritava, «Espere menina. Caiu-lhe isto da carteira». «Isto», vinha numa mão fechada, e quando me aproximei para ver, era um escaravelho dourado, pequeno, lindo. Sorri, agradeci, mas disse que não era meu, os meus eram azul-turquesa. A pessoa insistiu «É seu. Caiu-lhe da carteira» Não. Obrigada. Pelo telefone relatei a estória à minha mãe. Ela ouviu-me sob um estranho silêncio e no final disse-me: «Era teu, filha. Como nunca te conformas-te com a perda do colar eu comprei-te um escaravelho em ouro e coloquei-to na carteira, mas esqueci-me de te dizer.».
A outra estória (história) guardo em linhas por escrever.



Canela

quarta-feira, janeiro 23, 2008

A guardar Sonhos em resumos de Livros


O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros.
As tardes vão-se repetindo no terraço, onde as palavras
são pequenos lugares de memória. Estou divorciada dos
outros pelo tempo destas entrelinhas - longe de casa,
tenho sonhos que não conto a ninguém, viro devagar

a primeira página: em fevereiro, eles ainda faziam amor
à sexta-feira. De manhã, ela torrava pão e espremia
laranjas numa cozinha fria. Havia mais toalhas para lavar
ao domingo, cabelos curtos colados teimosamente ao espelho.
Às vezes, chovia e ambos liam o jornal, dentro do carro,
antes de se despedirem. As vezes, repartiam sofregamente
a infância, postais antigos, o silêncio – nada

aconteceu entretanto. Regresso, pois, à primeira linha,
à verdade que remexe entre as minhas mãos. Talvez os olhos
estivessem apenas desatentos sobre o livro; talvez as histórias
se repitam mesmo, como as tardes passadas no terraço, longe
de casa. Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém.


Maria do Rosário Pedreira in “O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros”

Pintura de Victor Bokarev in “Mysteries. (diptych) part 2”, Watercolour


Canela

terça-feira, janeiro 22, 2008

O Blog foi “Linkado”…


… e vai “linkar” um novo Blog. «Um porto de águas profundas e de bandeira livre.». Escrito por: «Eugénio Queirós, jornalista e matosinhense, Rafael Barbosa, jornalista e matosinhense, Alberto Gonçalves, cronista e matosinhense, e Daniel Sá, leixonense e matosinhense». Julgo que está tudo dito, para mais informações cá da terra é só consultar na barra lateral os Blogs com Norte.


Canela

Noite com Água


Hoje, se o sono me deixar, verei Água.


Canela

segunda-feira, janeiro 21, 2008

«Girl with a Pearl Earring»

Pintura e filme carregados de subtilezas.


Johannes Vermeer in «Girl with a pearl earring», oil on canvas.
Imagem retirada daqui.


Canela

domingo, janeiro 20, 2008

Leonard Cohen



Canela

Eadweard Muybridge


Canela

«Book of Longing»


(…)
Who cares what I say
I´m not who I was
I´m paid what I pay
I´m always in love
(…)





Leonard Cohen in “Book of Longing”

Canela

sábado, janeiro 19, 2008

A corrigir atrasos

Os meus quatro afilhados têm muitas características em comum com a madrinha. Gostam de desenho, de pintura, de jogos de estratégia, de enganar o computador quando jogam, de dormir e de construir páginas na internet.
O A. recebeu um livro de como construir uma página na internet, no Natal, e na semana seguinte já me estava a enviar a página que construiu. Os meus afilhados são, de longe, muito melhores.


Canela

O Jardim no Inverno



Canela

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Together



Scientists for Better PCR (PCR song)


Canela

Dias de Chuva


Chove…
Mas isso que importa!.
se estou aqui abrigado nesta
porta a ouvir na chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove…

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama


José Gomes Ferreira in “Chove”
Pintura de Rom Lammar “Convergence”


Canela

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Caminhos Cruzados


Lugar de sonho onde se caminha.
Lugar paradisíaco que guia.
Lugar sem caminhos, onde apetece ficar.


Fotografia da Piro, recebida hoje, mas da caminhada de ontem.

Canela

«In the jungle»




Canela

… a um Gato


Que fazes por aqui, ó gato?

Que ambiguidade vens explorar?

Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pelo, frio no olhar!

De que obscura força és a morada?

Qual o crime de que foste testemunha?

Que Deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?

Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?





Alexandre O’Neil in “Gato”
Fotografia de Karula (“Que olhar”), retirada do sítio “Olhares”


Canela


sexta-feira, janeiro 11, 2008

Elogios

Os meus dois colegas de laboratório dizem que a minha energia, organização e disciplina são insuperáveis. Eu não lhes ligo, ou simplesmente acrescento:
- Invejosos e desorganizados, enfim homens!
Vai daí, hoje, enquanto eu trabalhava arduamente, eles atarefados passeavam-se com um sorriso malandro.
Mal terminei o trabalho, convidaram-me para uma visita guiada ao laboratório. Eu não queria acreditar. O laboratório tinha um aspecto inalterado, mas eles faziam questão de me mostrar as diferenças e começaram a abrir as gavetas, até as da arca congeladora.
A diferença deixou-me boquiaberta. Gavetas impecavelmente arrumadas e com todo o material separado e etiquetado a preto. Irreconhecíveis.
- Agora diz lá que os homens são desorganizados?!
Eu continuava incrédula.
- E agora! Tens alguma observação a fazer?! – perguntaram com um sorriso o mais malandro possível.
- Demasiado monocromático! – digo eu para não dar o braço a torcer.
- Oh pá! Eu não te disse! As gajas gostam de cor!
Entretanto entra uma colega e eu digo de imediato:
- Ó L. abre aí uma das gavetas! Nem vais acreditar!
- Ah! Eu já sei! Foi eu que as estive a arrumar com eles!
Antes que a L. terminasse eles saíram sorrateiramente.
- Outra característica comum nos homens – MENTIROSOS. Digo eu.


Canela

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Resumo de um dia

Às nove horas da manhã já levo três horas de vantagem, e muito trabalho.
Mesmo antes das seis da manhã já transporto uma hora de sonhos e sensivelmente o mesmo tempo na unicidade de um mundo.
Entre as doze horas e a uma da tarde, às vezes almoço. Hoje almocei, e sobrou-me tempo para pôr toda a tagarelice em dia. Ganhei em boa disposição.
Até às cinco o trabalho passou depressa.
Das cinco às sete terminei o trabalho que teve inicio às seis da manhã.
Daqui para a frente o dia passou a correr. Passei pelo hipermercado mais próximo de casa para comprar Gorgonzola, estava esgotado, optei pelo Rambol com ervas aromáticas.
Em menos de vinte minutos preparei as “Farfalle” de Salmão e Sepia officinalis com molho de Rambol e “sauer cream”, estava absolutamente divino. Este comentário tem validade estatística (com base no número de vezes que o meus pais repetiram).
Por isso, quando tu me pedes que te conte em segredo de onde vem toda a minha energia. A resposta não podia ser mais fácil: o meu dia resume-se em muito e nunca termina aqui.


Canela

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Em rescaldo

“A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca.”

Carlos Drummond de Andrade


Canela