terça-feira, abril 17, 2007

No Louco 975

Como sabemos que apanhamos o 975 correcto?!
Segundo o condutor, sempre que constatarmos que o motorista é louco!



«- Então? – disse Amadis.
- Então, como ele, nunca sabe onde as coisas irão parar. Geralmente nunca vem ninguém neste autocarro. Ora vamos lá a saber, como é que subiu?
- Como toda a gente – respondeu Amadis.
- Com este motorista – prosseguiu o homem – é aborrecido, porque não se lhe pode dizer nada, não compreende. Temos que reconhecer que ainda por cima é idiota.
- Lamento-o – disse Amadis. – É uma catástrofe.
- Pois é – disse o cobrador. – Um homem que podia estar a pescar à linha, e veja-se o que ele faz…
- Conduz um autocarro – verificou Amadis.
- Aí está! – retorquiu o cobrador. – O senhor também não é parvo nenhum!
- O que é que o pôs assim doido?
- Não sei. A mim calham-me sempre condutores doidos. Acha que isto tem alguma graça?
- Não, caramba!
- É da Companhia – disse o condutor. – Aliás na Companhia são todos doidos.
- O senhor lá se vai aguentando – disse Amadis.
-Oh! Comigo é diferente – explicou o condutor. – Percebe, eu não sou doido!...
Riu tanto e tão alto que ficou sem respiração. Amadis sentiu-se um bocado inquieto quando o viu rolar-se pelo chão, fazer-se roxo, depois branco e inteiriçar-se, mas logo sossegou quando percebeu que era a fingir: o outro piscava o olho revirado, o que era bastante bonito. Ao fim de alguns minutos, o condutor levantou-se.
- Sou um brincalhão – disse.
- Não me admira – respondeu Amadis.
- Há quem ande sempre triste, mas eu não. Se não fosse isso, ia lá ficar com um tipo como esse motorista!...»


Boris Vian in "O Outono em Pequim"
Fotografia de José Eduardo ("Pensando bem, não é tão longe..."), retirada do sítio "1000 imagens"


E agora, digam-me que não reconhecem esta estória em inúmeras situações… da vida!


Canela

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