quarta-feira, janeiro 17, 2007

O Norte é Feminino*


O Norte é feminino.
O Minho é uma menina. Tem a doçura agreste, a timidez insolente da mulher portuguesa. Como um brinco doirado que luz numa orelha pequenina, o Norte dá nas vistas sem se dar por isso.
As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos verdes-impossíveis, daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a escrever-se sozinhos. Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança. Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem belas, erguidas pelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas, da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito.
Gosto das pequeninas, com o cabelo puxado atrás das orelhas, e das velhas, de carrapito perfeito, que têm os olhos endurecidos de quem passou a vida a cuidar dos outros. Gosto dos brincos, dos sapatos, das saias. Gosto das burguesas, vestidas à maneira, de braço enlaçado nos homens. Fazem-me todas medo, na maneira calada como conduzem as cerimónias e os maridos, mas gosto delas. São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem.
As mulheres do Norte deveriam mandar neste país. Têm o ar de que sabem o que estão a fazer. Em Viana, durante as festas, são as senhoras em toda a parte. Numa procissão, numa barraca de feira, numa taberna, são elas que decidem silenciosamente. Trabalham três vezes mais que os homens e não lhes dão importância especial. Só descomposturas, e mimos, e carinhos. O Norte é a nossa verdade. Ao princípio irritava-me que todos os nortenhos tivessem tanto orgulho no Norte, porque me parecia que o orgulho era aleatório. Gostavam do Norte só porque eram do Norte. Assim também eu. Ansiava por encontrar um nortenho que preferisse Coimbra ou o Algarve, da maneira que eu, lisboeta, prefiro o Norte. Afinal, Portugal é um caso muito sério e compete a cada português escolher, de cabeça fria e coração quente, os seus pedaços e pormenores.
Depois percebi. Os nortenhos, antes de nascer, já escolheram. Já nascem escolhidos. Não escolhem a terra onde nascem, seja Ponte de Lima ou Amarante, e apesar de as defenderem acerrimamente, põem acima dessas terras a terra maior que é o "O Norte". Defendem o "Norte" em Portugal como os Portugueses haviam de defender Portugal no mundo.
Este sacrifício colectivo, em que cada um adia a sua pertença particular - o nome da sua terrinha - para poder pertencer a uma terra maior, é comovente. No Porto, dizem que as pessoas de Viana são melhores do que as do Porto. Em Viana, dizem que as festas de Viana não são tão autênticas como as de Ponte de Lima.
Em Ponte de Lima dizem que a vila de Amarante ainda é mais bonita. O Norte não tem nome próprio. Se o tem não o diz. Quem sabe se é mais Minho ou Trás-os-Montes, se é litoral ou interior, português ou galego? Parece vago. Mas não é. Basta olhar para aquelas caras e para aquelas casas, para as árvores, para os muros, ouvir aquelas vozes, sentir aquelas mãos em cima de nós, com a terra a tremer de tanto tambor e o céu em fogo, para adivinhar.
O nome do Norte é Portugal. Portugal, como nome de terra, como nome de nós todos, é um nome do Norte. Não é só o nome do Porto. É a maneira que têm de dizer "Portugal" e "Portugueses". No Norte dizem-no a toda a hora, com a maior das naturalidades. Sem complexos e sem patrioteirismos. Como se fosse só um nome. Como "Norte". Como se fosse assim que chamassem uns pelos outros. Porque é que não é assim que nos chamamos todos?

*Miguel Esteves Cardoso in "Norte Nome de Portugal"

Porto ao Anoitecer - Imagem retirada de www.cm.porto.pt


Canela

8 comentários:

Anónimo disse...

Lá estas tu com o Norte! Também é bom em vez de tripas uma boa alface e acompahada com um bom tomatito!...
Piro

Anónimo disse...

falta o n paciência!

Anónimo disse...

Eu sei Lisboeta, que a tua costela te puxa para o Sul. Mas, a minha é tão tripeira, tão tripeira que quando viajo de Sul para Norte fico, absolutamente, fascinada quando chego ao Porto. Assim que, atravesso a ponte que liga Gaia ao Porto começo a sofrer de dilatação das narinhas, dos olhos e do coração.
Fico com o coração aos pulos e completamente apaixonada pela silhueta e pela cor da minha cidade.
Além disso, adoro. Não. Sou também apaixonada pelo meu Douro, cada vez mais, o que é curioso.
Adoro o Minho.
Mas também gosto de Lisboa, do Alentejo.
Ah!!! Sou completamente apaixonada por Sintra, sinto-me tão em paz em Sintra. Adoro o mar, o verde, os palácios, os cafés, a noite e as ruas estreitas.
Gosto dos Chocos fritos e do peixe de Setúbal.
Gosto do parque natural da Arrábida e dos gofinhos do Sado.
Adoro Portugal

A little Kiss

Anónimo disse...

Falta o "l" nos golfinhos, e não é paciência!!!
É o meu teclado a funcionar mal!!!
Agora o "l" só entra a muito custo!!!
Esta semana tenho mesmo que decidir e comprar um novo. Este está completamente obsoleto!!!

Kissizinhos

Anónimo disse...

Ainda bem que gostas de tudo, mas já agora eu tenho uma porção de costelas(!) que vão do Porto, passando pela figueira da foz,lisboa, alentejo e algarve, e umas que me apareceram "à posteriori" vindas de uma ilha de basalto, deve ser por isso que gosto tanto de todo o lado, desde que valha a pena!...
Comida vai desde rojões, feijoada à moda do Porto, passando pela açorda de marisco até uns caracóis, que a minha avó algarvia fazia, que eram deliciosos!
Piro-comidinha da boa!

Anónimo disse...

Vai-se a ver e ainda és mais tripeira do que eu!!!!
Não gosto particularmente de tripas,o que é curioso, também não sou grande fã de francesinhas, o que é estranho!!!
Mas adoro arroz de cabidela, cozido à Potuguesa, alheiras assadas com grelos e ovos escalfados, rojões com castanhas,enfim adoro comer!!!
Não me posso esquecer do peixinho, aqui do burgo, verdadeiramente delicioso, não troco o meu peixinho fresco por nada...ou quase nada!!!
Também gosto das maçarocas de milho cozido das Furnas!!!
Não sei se conheces??!! Devias provar!!!
A thousand kiss

Anónimo disse...

Não gosto de cozido à "potuguesa", mas sim de cozido à Portuguesa!!
Bolas!!!
Another kiss

Anónimo disse...

Maçaroca desde que seja boa...calha sempre bem!... Mesmo daquela que cheira a enxofre!
Piro-resposta