segunda-feira, janeiro 08, 2007

Cirúrgico

Dar o mote ao amor. Glosar o tema
tantas vezes que assuste o pensamento.
Se for antigo, seja. Mas é belo
e como a arte: nem útil nem moral.
Que me interessa que seja por soneto
em vez de verso ou linha desvastada?
O soneto é antigo? Pois que seja:
também o mundo é e ainda existe.
Só não vejo vantagens pela rima.
Dir-me-ão que é limite: deixa ser.
Se me dobro demais por ser mulher
[esta rimou, mas foi só por acaso]
Se me dobro demais, dizia eu,
não consigo falar-me como devo,
ou seja, na mentira que é o verso,
ou seja, na mentira do que mostro.
E se é soneto coxo, não faz mal.
E se não têm tercetos, paciência:
dar o mote ao amor, glosar o tema,
e depois desviar. Isso é ciência!

Ana Luísa Amaral in “Soneto Científico a Fingir”

Canela

2 comentários:

Anónimo disse...

"E se não têm tercetos, paciência:
dar o mote ao amor, glosar o tema,
e depois desviar. Isso é ciência!"
Não, muitas vezes chama-se sensatez e auto-preservação!...
Piro

Anónimo disse...

Depende da forma de amor, existem formas, das quais, não faço questão de me arredar nem uma milionésima parte do milimetro, nem morta!!! Mesmo depois de morta, lá irão, comigo, só comigo.
Bjs