domingo, julho 15, 2007

Realidade

Ao longo dos dias sinto que o tempo corre como a areia que me escorre pelos dedos, e na vã tentativa de não o deixar fugir passo os meus dias a correr de um lado para o outro, ora a favor do tempo, ora contra ele. E, quando o tempo exausto pára um pouco, eu tento, somente, relaxar. Nestas horas pego nos telefones e estiro o corpo num qualquer lugar confortável, aos olhos ofereço a beleza de um livro ou a imagem de um quadro e ali ficamos, até adormecer, ou até que os olhos fitem a parede branca e comecem a projectar as outras imagens criadas. Esta é uma das razões que me leva a não falar de livros, quando não lhes posso transcrever parágrafos, não consigo separar o que li do que ficcionei.
Num dia destes o telefone tocou, e do outro lado percebi que estava uma voz masculina titubeante e em sérias dificuldades em coordenar a ventilação e as vibrações das cordas bucais. Disse quem era e falou de muitas outras coisas, quando eu já tinha os opérculos dos ouvidos fechados e tentava novamente voltar à parede branca. Mas, sem me querer dar sossego a alma do outro lado da linha começou a interpelar-me:
- Sabe onde fica esse sítio?
- Sei – respondi.
- Então vá já lá e nós oferecemos-lhe um aparelho para medir a tensão arterial! - E depois acrescentou – mas tem de levar o seu marido!
Foi, neste preciso momento, que as palavras me feriram como estilhaços de vidro e já quase a saltar do sofá perguntei:
- COMO????!!!
A voz titubeante baixou-se um pouco, mas continuou a dizer:
- A empresa obriga-a a levar o seu marido!
Pela minha cabeça passavam expressões inenarráveis neste “post”, até vários cqf passaram, mas um sentimento de pena por aquela voz fraquinha levou-me a dizer:
- Ouça! Seria um custo muito elevado a pagar por um simples esfigmomanômetro! Percebe?! – Depois ainda lhe consegui desejar – Tenha uma boa tarde! E desliguei o telefone.
Por muito esforço que fizesse não conseguia voltar para a parede branca e não conseguia abandonar a memória daquele diálogo, só pensava em processar aquela empresa. Até que, de repente, comecei a pensar que, podia ter ocorrido um mal entendido, e como eu sou uma deslumbrada, poderia não ter prestado a necessária atenção aquele senhor, que na realidade me proponha uma mera campanha de troca!


Canela

4 comentários:

Anónimo disse...

Será que se fosse um amante...
dariam um aparelho mais interessante?
Piro

Anónimo disse...

Vamos ter de aguardar pelo próximo telefonema! Se houver próximo...!
É que nem em casa tenho sossego, bolas!

Unknown disse...

Eu acho que se trato de um caso claro de descriminacão.
Então as solteiras, juntas, divorciadas ou viúvas não têm direito ao tal aparelho!?
Vivemos ou não vivemos em igualdade, será que "umas são mais iguais que outras"?

Anónimo disse...

Parece que sim! Há sempre "uns que são mais iguais que outros". E esfigmomanômetros é o que não faltam...